Com a arrecadação em queda devido à crise econômica, as prefeituras do Rio Grande do Sul se veem diante de um problema grave nas finanças públicas: a ação dos devedores de tributos. Até agosto de 2016, segundo levantamento do Tribunal de Contas do Estado (TCE), a dívida ativa informada por 491 administrações municipais ultrapassava R$ 4,1 bilhões – o equivalente a 12% dos orçamentos somados.
A maioria dos casos envolve não pagamento de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto Sobre Serviços (ISS). O Executivo com o maior volume a reaver é o de Porto Alegre. Em agosto, só a administração direta somava débito de R$ 490,74 milhões. Em janeiro deste ano, a dívida atualizada, incluindo a administração indireta (autarquias, por exemplo) chegava a R$ 1,98 bilhão. Proporcionalmente, o município mais afetado pelos maus pagadores é Cachoeira do Sul, na Região Central, com valor equivalente a 138% da receita orçada.
Os números preocupam a Federação das Associações de Municípioso RS (Famurs). Segundo o presidente da entidade, Luciano Pinto, o tema será abordado no Seminário dos Novos Gestores, na quarta e quinta-feira desta semana, na Capital.
– Os prefeitos precisam estar atentos a esse assunto e cobrar os créditos da forma mais eficaz possível. Primeiro, para melhorar as condições financeiras. Segundo, porque, se não fizerem isso, podem ser responsabilizados por renúncia de receita – diz o dirigente.
Desde 2013, na gestão do ex-presidente Cezar Miola, o TCE passou a intensificar o controle sobre a capacidade de arrecadação das gestões municipais, em sua maioria muito dependentes dos repasses do Estado e da União e ineficientes em gerar recursos próprios – à época, 96% delas sequer tinham fiscais específicos para atuar na área tributária. Um ano depois, em parceria com Judiciário, Ministério Público e Ministério Público de Contas, o tribunal lançou cartilha com orientações para ampliar o cerco aos inadimplentes.
– O zelo na cobrança da dívida ativa sempre foi importante, mas se torna ainda mais relevante em tempos de crise. É um dever do gestor público. Além de carrear recursos, é uma forma de fazer justiça tributária – afirma Miola.
A principal medida indicada aos mandatários para agilizar a recuperação dos créditos perdidos é o protesto extrajudicial das certidões de dívida ativa. Na prática, o “protestado” em cartório fica impedido de obter empréstimos bancários, e isso acaba fazendo com que regularize a situação com maior rapidez. O custo da operação para as prefeituras é zero.
Esse caminho já vinha sendo adotado desde 2015 em cidades como Porto Alegre, mas ganhou sustentação jurídica em 2016, com aval do Supremo Tribunal Federal (STF). A partir daí, passou a ganhar preferência e a gerar resultados. Segundo o TCE, a judicialização deve ser a última alternativa.
Como os tribunais têm excesso de demanda, as sentenças costumam demorar a sair. Além disso, nem sempre os devedores e os seus bens são localizados pelos oficiais de Justiça, devido à imprecisão ou à desatualização dos cadastros municipais. O desfecho, não raro, é a prescrição dos débitos.
Presidente do conselho de comunicação do Tribunal de Justiça, o desembargador Túlio Martins concorda. Ressalva que os prefeitos não são obrigados a priorizar a cobrança administrativa, mas lembra que as chances de reaver o dinheiro são “muito maiores”:
– Era comum prefeituras deixarem dívidas se acumularem por longos períodos para ajuizar tudo ao mesmo tempo. Isso congestionava os fóruns e tornava tudo mais difícil. O protesto em cartório é menos demorado e custoso.
Para acelerar a reposição das perdas, o presidente da Famurs elenca outras ações importantes, como contato direto com devedores e criação de balcões de negociação com opções de pagamento, inclusive com parcelamento.
– O cidadão quer resultado, então precisa compreender que o IPTU ajuda a manter o médico no posto e o professor na escola. Pode e deve pressionar o seu gestor, mas também precisa fazer a sua parte – recomenda o dirigente.
Porto Alegre projeta recuperar R$ 180 milhões em 2017
Amargando dívida ativa de R$ 1,98 bilhão (valores atualizados em janeiro de 2017), a administração de Porto Alegre projeta reaver pelo menos R$ 180 milhões até o fim do ano. A cifra equivale a menos de 9% do montante, mas ainda assim é maior do que a média de recuperação nas capitais brasileiras, estimada em 4%.
– A meta é desafiadora, mas a gente vem melhorando os resultados ano a ano. Em 2015, recuperamos R$ 150 milhões e, em 2016, R$ 160 milhões, muito em razão do protesto em cartório – diz o superintendente da Receita Municipal, Fabricio Dameda.
A medida passou a ser adotada há dois anos, ainda na administração de José Fortunati, e tende a ser ampliada. De acordo com o secretário municipal da Fazenda, Leonardo Busatto, melhorar a capacidade de arrecadação da prefeitura é uma das apostas da atual gestão para fazer frente à crise.
– Aumentar a carga tributária está totalmente fora de questão, porque já é alta demais para o contribuinte, então uma das nossas alternativas é ir atrás de quem não paga os impostos em dia. Se o valor projetado para 2017 for atingido, será de grande auxílio.
Vai ajudar a diminuir o rombo nas contas – afirma Busatto.
Com os R$ 180 milhões previstos para este ano, a prefeitura poderia, por exemplo, abrir oito postos de saúde até as 22h, cumprindo a promessa de campanha do prefeito Nelson Marchezan. Ainda restariam cerca de R$ 175 milhões para quitar a dívida com fornecedores (R$ 140 milhões) e parte das despesas de 2016 que ficaram sem empenho (R$ 120 milhões). Durante a campanha, o prefeito prometeu que bancaria a abertura dos postos com o corte de cargos de confiança. O dinheiro da dívida ativa é outra opção para colocar o plano em prática, segundo o secretário da Fazenda.
A possibilidade de extensão do horário de atendimento dos postos é celebrada pela população, mas o ceticismo prevalece. Caso das aposentadas Dione Luccas, 62 anos, e Marilian Fontoura Fagundes, 66 anos, que frequentam a unidade no Centro de Saúde IAPI, bairro Passo D’Areia, uma das mais procuradas.
– A ideia é muito boa. Difícil vai ser colocar isso em prática – opina Dione.
– Se der certo, vai ser um milagre, ainda mais do jeito que vai a prefeitura, sem dinheiro para nada – complementa Marilian.
A Secretaria Municipal da Saúde diz que a definição dos postos contemplados está em estudo.
Em 2016, Cachoeira do Sul não recebeu um terço do IPTU
Município de 85,6 mil habitantes na Região Central, Cachoeira do Sul fechou 2016 com R$ 335,7 milhões em dívida ativa. A quantia, atualizada por ZH junto à prefeitura, representa 138% da receita orçada para o ano. Só em 2016, um em cada três contribuintes não pagou IPTU na cidade.
No levantamento do Tribunal de Contas do Estado (TCE), com números de agosto de 2016, esse percentual era de 127,4%, já o maior índice entre as prefeituras do Rio Grande do Sul.
Nem toda a dívida, segundo a secretária municipal da Fazenda, Viviane Dias, deve retornar aos cofres públicos. Cálculos finalizados recentemente pela pasta indicam que R$ 75,7 milhões (22,5%) correspondem a débitos anteriores a 2012, que prescreveram ou são alvo de processo judicial.
Na tentativa de reaver ao menos parte dos R$ 260 milhões restantes (77,5%), a prefeitura está em negociações para inscrever devedores no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), por meio de convênio com a Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL). Com isso, os contribuintes em débito sofreriam restrições para obter financiamentos ou realizar compras por meio de crediário e se veriam pressionados a regularizar a situação.
Na prática, o não pagamento do passivo respinga na própria população, porque a escassez de verbas em caixa compromete a capacidade de investimentos do município. Segundo a prefeitura, parte do valor pendente de dívida ativa poderia ser revertida em maquinário para a recuperação e melhorias de ruas e avenidas na cidade. Hoje, a Secretaria de Obras possui 12 equipamentos, entre retroescavadeiras e caçambas – cinco estão estragados.
– Ainda temos a obediência constitucional de aplicar 25% do recurso em educação e 15% em saúde, porque grande parte do valor em estoque de dívida ativa vem de impostos. Então, parte desse valor é direcionada diretamente para essas áreas – acrescenta Viviane.
Fonte: Zero Hora
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